O FANTASMA DO
TEATRO
Roberto era musico e vivia por mero acaso
perto de um teatro onde grande parte dos espetáculos que ali ocorrem são
especificamente ópera e musica clássica. Gostava de sair à
rua o que fazia muitas vezes
principalmente à noite, por esta lhe transmitir uma espécie de inspiração
glorificada, mas por mais estranho que nos pareça , nunca registou esta
inspiração musical em nenhuma pauta Sua . (…) era de noite ou com a noite que
muitas vezes conseguia encontrar-se
consigo próprio, principalmente de inverno, quando existia nevoeiro cerrado
onde a iluminação das ruas , «mais vielas do que ruas», era apenas um conjunto
de círculos baços, com reflexos amarelados emitidos por candeeiros vidrados
espessos, apoiados em colunas altas triangulares de ferro fundido com motivos
em relevo, fixadas ao chão por parafusos que ainda hoje
resistiam à agressividade do tempo. Pecavam por distanciados, diga-se, por
espaços alongados entre si, que agora pelo nevoeiro mal se podia ter a perceção
dos caminhos e dos passeios de pedra lisa pelo uso e pelo tempo que por detrás
do dito teatro existem em bom numero refletindo tímidas cores
de diversas tons pelo granito
polido e gasto procedente de várias famílias de pedreiras. Numa pequena escadaria de pouco uso, que dava
para os arrumos do teatro, Roberto sentava-se varias vezes, para comtemplar o
silêncio e tentar ouvir o que ele lhe dizia para que inspirado por aquele vazio
pudesse sentir se a sua mente tinha
descoberto algo de novo, “ e talvez isso tivesse acontecido” , pois o seu
pensamento confundia-se agora com uma espécie de musica homérica de profundos
silêncios musicados como se fosse um pequeno mas aflito silvo, «se é que se
pode chamar silvo ao grito aflito das aves, eu penso que sim», emitido por uma
gaivota fugindo do mar que se agitou de repente provocando o pânico entre elas que do mar
vivem. Sentiu então o despertar de uma imaginação nova num campo de composição
diferente, ausente de sinfonias pesadas
e longas, monótonas e algumas das quais fúnebres “ as que o são, ou as que se entende
que sejam pois para esse fim foram escritas ”, mas ainda assim nobres não lhes
podemos tirar o mérito nem o sentido…
Mas era agora o som suave e
sensível que permanecia na mente de Roberto, envolto num mistério que ninguém se atreveu a desvendar ,
som que transmitia um contesto diferente e isso alegrava-o tinha sido uma
descoberta gloriosa que lhe transmitia energia e força para continuar. Por vezes e talvez pela
ilusão da luz tímida da noite sentia-se acompanhado por uma figura fantástica
de manto branco que parecia movimentar-se em todas as direções, e a ilusão
levava-o a pensar que por vezes seria real e que estava sentada a seu lado,
exercitando gestos de pessoa talvez de maestro de orquestra, pois a sua
imaginação era para ali que pendia e a figura fantástica se ali permanecia
devia saber o seu pensamento . Mesmo sem saber se a sua continuada e exaustiva
pesquisa musical o conduziria a alguma
parte… (ao êxito ou ao sucesso
certamente que não), ou talvez sim, sentiu-se apesar de tudo renovado, pelo menos
encontrou-se com a paz que procurava e o seu espirito estimulava-se, como se estivesse para nascer uma nova geração
de musica ainda que clássica como as outras, mas para pessoas de classe mais
baixa … musica que se entenda pelos sons que audita e não seja necessário
vestir fato de gala para a ouvir nos teatros luxuosos , pois a musica é apenas
um discurso educativo de sons e não necessita de nobreza nos trajes. Esta ideia
poderá vir a contaminar a civilização moderna, a cultura musical pode renascer
de outra forma sem destruir ou contaminar muito menos infetar os clássicos e outros compositores que
entregaram toda a sua paixão à musica, a
toda a musica que a humanidade conhece … mas esta será, se renascer, apenas um
novo caminho que irá experimentar novas sensações e pode vir a transmitir mais
harmonia no ouvir de musicas que nos têm acompanhado toda a vida de uma maneira
ou outra com um som ou com outro, tanto importa pois tudo será musica pela
certa. Roberto não gostava de produzir cultura musical para usar e deitar fora e por isso tentava isolar-se e
fazer a sua musica para que um dia pudesse abranger toda a gente … desviar-se o
mais possível do conceito clássico do termo … pensava que a sua musica devia
ser um grito de liberdade que ecoa-se pelas ruas, pelos mares, pelas montanhas,
pelas florestas que fosse ouvida em toda a parte porque se assim não fosse não
valeria a pena tê-la encontrado ou inventado ou sentido, sentado no silencio da
noite na escadaria do velho teatro. A
musica tinha de ser real e fácil de ser
encontrada por toda a gente, sem esforço num clicar de dedo, aqui está o
pensamento certo, ou talvez não, pois a sociedade é que comanda o destino dos pensamentos mais nobres. Quando
Roberto deu por si já a manhã estava de volta , entre paredes altas ainda
sentado apenas se podia ver um clarão no céu… a noite tinha-lhe inundado o
cérebro com um mar de ideias . Levantou-se da escadaria e percorreu apressado
as vielas no sentido de casa … sentiu o corpo frio pela humidade da noite e
quando chegou à porta olhou para trás e pensou que um dia encontraria uma nova forma
de musica, e isso seria um gesto de gratidão para a sua mente que nela se
envolveu… e pensamos que ainda se envolve… apesar de todas as vicissitudes. Pensou
que seria bom aceitar o que viesse ao seu encontro sem ultrapassar os limites
da consciência e da fé. Sentiu-se quantas vezes perdido nos recantos do seu
teatro , não necessariamente o mesmo da escadaria de pedra enegrecida onde
tantas vezes se sentou esquecendo-se que o mundo existia de outra maneira … ali
conquistava e construía aos poucos o seu mundo novo com publico de todas as
cores … numa plateia virtual que ora se
via da Sua janela ou do recanto mágico onde existia o Fantasma do Teatro sentado
ao meu lado na escadaria de pedra fria com sulcos de musgo viçoso alimentado
pela sombra e pela humidade.
Roberto morreu no dia seguinte e foi
sepultado numa cerimonia fúnebre simples, pois o seu pedido não reclamava
outra coisa, apenas queria ouvir a sua
musica que não existia porque não a chegou a compor… não ficou sozinho pois nessa noite o Fantasma do Teatro fez questão
de permanecer e ficar ali com ele, a seu
lado esperando que Roberto ainda pudesse concluir o sonho da Sua nova musica…
Há quem diga que nas noites de nevoeiro, mesmo sem luz, junto à sua campa sem flores se veem gestos de maestro em trajo branco de
fantasma…
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